verso, prosa e frases soltas, gritos na noite, pulso que pulsa, meia-verdade, meia-justiça e um grilo falante

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Estrela do Oswaldo Cruz

Uma estrela quebrou
Estilhaço voou
Ferindo o amor em mim

Na Alameda ou jardim
Sorriso era de graça
Doçura a quem sangrava
Pastores ou atrizes

Dessa estrela-lembrança
Guardo alguma esperança
De mais dias felizes



 ® poema registrado

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Espumas Flutuantes

ERA POR UMA dessas tardes em que o azul do céu oriental — é pálido e
saudoso, em que o rumor do vento nas vergas — e monótono e cadente, e o quebro da vaga
na amurada do navio— e queixoso e tétrico.

Das bandas do ocidente o sol se atufava nos mares ''como um brigue em chamas..."
e daquele vasto incêndio do crepúsculo alastrava-se a cabeça loura das ondas.

Além... os cerros de granito dessa formosa terra de Guanabara, vacilantes, a
lutarem com a onda invasora de azul, que descia das alturas... recortavam-se indecisos na
penumbra do horizonte.

Longe, inda mais longe... os cimos fantásticos da serra dos Órgãos embebiam-se
na distância sumiam-se, abismavam-se numa espécie de naufrágio celeste.

Só e triste, encostado à borda do navio, eu seguia com os olhos aquele
esvaecimento indefinido e minha alma apegava-se à forma vacilante das montanhas —
derradeiras atalaias dos meus arraiais da mocidade.

E que lá, dessas terras do sul, para onde eu levara o fogo de todos os entusiasmos,
o viço de todas as ilusões, os meus vinte anos de seiva e de mocidade, as minhas esperanças
de glória e de futuro;. . . é que dessas terras do sul, onde eu penetrara "como o moço Rafael
subindo as escadas do Vaticano";... volvia agora silencioso e alquebrado... trazendo por
única ambição—a esperança de repouso em minha pátria.

Foi então que, em face destas duas tristezas — a noite que descia dos céus,—a
solidão que subia do oceano—, recordei-me de vós, ó meus amigos!

E tive pena de lembrar que em breve nada restaria do peregrino na terra
hospitaleira, onde vagara; nem sequer a lembrança desta alma, que convosco e por vós
vivera e sentira, gemera e cantara. . .

Ó espíritos errantes sobre a terra! Ó velas enfunadas sobre os mares!.. .

Vós bem
sabeis quanto sais efêmeros... — passageiros que vos absorveis no espaço escuro, ou no
escuro esquecimento.

E quando — comediantes do infinito — vos obumbrais nos bastidores do abismo, o
que resta de vós?

— Uma esteira de espumas.. — flores perdidas na vasta indiferença do oceano. —
Um punhado de versos... —espumas flutuantes no dorso fero da vida!...

E o que são na verdade estes meus cantos?...

Como as espumas, que nascem do mar e do céu, da vaga e do vento, eles são filhos
da musa—este sopro do alto: do coração _ este pélago da alma.

E como as espumas são, às vezes, a flora sombria da tempestade, eles por vezes
rebentaram ao estalar fatídico do látego da desgraça
E como também o aljofre dourado das espumas reflete as opalas, rutilantes do
arco-íris, eles por acaso refletiram o prisma fantástico da ventura ou do entusiasmo— estes
signos brilhantes da aliança de Deus com a juventude!

Mas, como as espumas flutuantes levam, boiando nas solidões marinhas, a lágrima
saudosa do marujo... possam eles, ó meus amigos!—efêmeros filhos de minh'ahna—levar
uma lembrança de mim às vossas plagas!

Prólogo de Espuma Flutuante, Castro Alves.



segunda-feira, 8 de junho de 2015

O otimista e o pessimista

O pensador Carl Sagan estava exultante por conseguir que um foguete que iria ser lançado ao espaço levasse uma placa com os dizeres: "Viemos em Paz para Toda a Humanidade".  J. G. Ballard escritor pessimista inveterado,  desde que viveu de perto os horrores da segunda guerra, quando soube do feito de Sagan, comentou: "Se eu fosse marciano, começava logo a fugir".

Isso me lembra a história do menino rico que estava triste depois de ganhar uma bike bem equipada e reluzente.  Quando  perguntado a razão de estar cabisbaixo, disse que agora a bicicleta estava nova,  mas que iria envelhecer, enferrujar, pior, poderia lhe  causar um acidente.

Na casa ao lado,  um menino pobre estava radiante com o presente que recebera: uma latinha com estrume. A quem passasse pela rua ele inquiria: "Você viu por aí meu cavalo?"


sexta-feira, 5 de junho de 2015

poesia não muda o mundo imediatamente

A poesia não muda o mundo imediatamente. Mas a leitura de um bom poema sempre modifica algo em nós. Não somos mais os mesmos quando uma palavra bela, exigente e única impõe sua presença, objeto único, à nossa frente.


Luzilá Gonçalves



Mulher lendo.  Monet. 

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Da virtude amesquinhadora

Passo no meio desta gente e guardo os olhos abertos: eles não me perdoam que eu não inveje suas virtudes.
Procuram morder-me, porque lhes digo: “Para gente pequena, são necessárias virtudes pequenas” — e porque custo a compreender que gente pequena seja necessária! (...)
Cortês, sou eu com elas, bem como paciente com todos os pequenos aborrecimentos: espinhar-se com o que é pequeno parece-me sabedoria de ouriço. (...)
E entre eles também aprendi isto: porta-se o louvador como se retribuísse algo, mas, na verdade, quer receber mais presentes! (...)
Passo no meio desta gente e guardo os olhos abertos: tornaram-se mais pequenos, cada vez mais pequenos: mas isso se deve à sua doutrina da felicidade e da virtude.
É que são modestos também na virtude — pois querem o bem-estar. Mas somente uma virtude modesta condiz com o bem-estar. (...)
“Eu sirvo, tu serves, ele serve” — assim reza, aqui também, a hipocresia dos dominantes — e ai, quando o primeiro senhor é somente o primeiro servidor! (...)
“Colocamos a nossa cadeira no meio”, diz-me o seu sorrizinho de contentamento, “e tão longe dos gladiadores morrentes quanto dos porcos satisfeitos.”
Isto, porém, é mediocridade — muito embora se chame moderação.


Nietzsche em Assim Falou Zaratustra

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Mensageiro

E se pessoas fossem anjos, 
anjos sem asas, 
anjos sem Deus e sem pecados? 

Privados do voo de Ícaro, 
buscassem eternamente, 
de todas as formas, 
a liberdade, 
o desprendimento 
dos solos e dos sólidos, 
dos meios e dos fins? 

E se a única maneira 
de aplacar essa angústia 
fosse, de bom grado, 
vendar os olhos, 
amarrar as mãos às costas, 
trancafiar-se em um calabouço, 
em outro anjo: 

O amor.



sexta-feira, 29 de maio de 2015

Poesia e Loucura

Dom Quixote é a primeira das obras modernas, pois que aí se vê a razão cruel das identidades e das diferenças desdenhar infinitamente dos signos e das similitudes: pois que aí a linguagem rompe seu velho parentesco com as coisas, para entrar nessa soberania solitária donde só reaparecerá, em seu ser absoluto, tornada literatura; pois que aí a semelhança entra numa idade que é, para ela, a da desrazão e da imaginação. Uma vez desligados a similitude e os signos, duas experiências podem se constituir e duas personagens aparecer face a face. O louco, entendido não como doente, mas como desvio constituído e mantido, como função cultural indispensável, tornou-se, na experiência ocidental, o homem das semelhanças selvagens. Essa personagem, tal como é bosquejada nos romances ou no teatro da época barroca e tal como se institucionalizou pouco a pouco até a psiquiatria do século XIX, é aquela que se alienou na analogia. É o jogador desregrado do Mesmo e do Outro. Toma as coisas pelo que não são e as pessoas umas pelas outras; ignora seus amigos, reconhece os estranhos; crê desmascarar e impõe uma máscara. Inverte todos os valores e todas as proporções, porque acredita, a cada instante, decifrar signos: para ela, os ouropeus fazem um rei. Segundo a percepção cultural que se teve do louco até o fim do século XVIII, ele só é o Diferente na medida em que não conhece a Diferença; por toda a parte vê semelhanças e sinais da semelhança; todos os signos para ele se assemelham e todas as semelhanças valem como signos. Na outra extremidade do espaço cultural, mas totalmente próximo por sua simetria, o poeta é aquele que, por sob as diferenças nomeadas e cotidianamente previstas, reencontra os parentescos subterrâneos das coisas, suas similitudes dispersadas. Sob os signos estabelecidos e apesar deles, ouve um outro discurso, mais profundo, que lembra o tempo em que as palavras cintilavam na semelhança universal das coisas: a Soberania do Mesmo, tão difícil de enunciar, apaga na sua linhagem a distinção dos signos.


Trecho do livro As Palavras e as Coisas, de Michel Foucault


quinta-feira, 28 de maio de 2015

A Papoula e o Bebê

A cor (a)trai
os olhos
vermelho provocador

no veludo
o toque
destrói pétalas

o bebê
tem a flor
na mão (e ri)

nariz de pinóquio
não descobriu
espinhos ainda.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Deus certamente deve ter escrito numa nota de rodapé

Deus certamente deve ter escrito numa nota de rodapé, nalguma página do manual de criação do mundo, qualquer coisa do tipo: aquele que nascer e em seu bojo trouxer o desejo do entendimento feminino aprenderá diversas coisas, e ainda assim morrerá frustrado.

sábado, 23 de maio de 2015

Um homem precisa se queimar em suas próprias chamas pra poder renascer das cinzas.

Friedrich Nietzsche



sexta-feira, 22 de maio de 2015

About

Essa poesia abstrata é de concreto,
cheira a asfalto e tem cor de mentira.
Se o preço da gasolina forra o piso
                                 [da felicidade,
meus rascunhos perdem sentido.
              [E isso tudo é maravilhoso.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

VERDADE



A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.


Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Dúvida

A vida fosse um cálice de vinho,
Que nós tomássemos ao bel prazer,
Beberíamos dia a dia um pouquinho,
Para nunca faltar o que sorver.

Toda rosa em si traz um espinho,
Ao que não nos é dado o escolher.
Mas sou eu quem recomenda o caminho
Que vai, no jardim, o pé percorrer.

Sendo-nos dado marcar com a morte,
Teríamos assim a melhor sorte?
Ou, enlouqueceríamos enfim?

Sai de mim, curiosidade grande,
Prefiro mesmo seguir ignorante,
Cego (surdo!), começo, meio e fim.



tela Incredulidade de São Tomé, de Caravaggio
Mesmo que façam todo dia  movimento idêntico repetidas vezes, a máquina repete, o homem insiste.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Human

I did my best to notice
When the call came down the line
Up to the platform of surrender
I was brought but i was kind
And sometimes i get nervous
When i see an open door
Close your eyes
Clear your heart

Cut the cord
Are we human?
Or are we dancer?
My sign is vital
My hands are cold
And I'm on my knees
Looking for the answer
Are we human?
Or are we dancer?

Pay my respects to grace and virtue
Send my condolences to good
Give my regards to soul and romance
They always did the best they could
And so long to devotion
You taught me everything i know
Wave goodbye
Wish me well

You got to let me go
Are we human?
Or are we dancer?
My sign is vital
My hands are cold
And I'm on my knees
Looking for the answer
Are we human?
Or are we dancer?

Will your system be alright
When you dream of home tonight?
There is no message we're receiving
Let me know is your heart still beating

Are we human?
Or are we dancer?
My sign is vital
My hands are cold
And I'm on my knees
Looking for the answer

You've got to let me know
Are we human?
Or are we dancer?
My sign is vital
My hands are cold
And I'm on my knees
Looking for the answer
Are we human
Or are we dancer?

Are we human?
Or are we dancer?

Are we human
Or are we dancer?
Eu fiz o meu melhor para perceber
quando o chamado veio
Na plataforma de entrega
Fui levado mas fui gentil
E às vezes eu fico nervoso
Quando eu vejo uma porta aberta
Feche os olhos
Limpe seu coração

Corte o cordão
Somos humanos?
Ou somos dançarinos?
Meu sinal é vital
Minhas mãos estão geladas
Eu estou de joelhos
Esperando a resposta
Somos humanos?
Ou somos dançarinos?

Apresente meu respeito para graça e virtude
Envie minhas condolências para o bem
Dê meus cumprimentos a alma e romance
Eles sempre fizeram o melhor que podiam
E adeus à devoção
Me ensinou tudo que sei
Acene adeus,
Deseje-me sorte

Você tem que me deixar ir
Somos humanos?
Ou somos dançarinos?
Meu sinal é vital
Minhas mãos estão geladas
E estou de joelhos
Procurando a resposta
Somos humanos?
Ou somos dançarinos?

Seu sistema ficará bem
Quando sonhar com o lar hoje a noite
Não há mensagem que estamos recebendo
Deixe-me saber, seu coração ainda bate?

Somos humanos?
Ou somos dançarinos?
Meu sinal é vital
Minhas mãos estão geladas
E estou de joelhos
Procurando a resposta

Você tem que me deixar saber
Somos humanos?
Ou somos dançarinos?
Meu sinal é vital
Minhas mãos estão geladas
E estou de joelhos
Procurando a resposta
Somos humanos?
Ou somos dançarinos?

Somos humanos?
Ou somos dançarinos?

Somos humanos?
Ou somos dançarinos?


 The Killers