verso, prosa e frases soltas, gritos na noite, pulso que pulsa, meia-verdade, meia-justiça e um grilo falante

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Poesia e Loucura

Dom Quixote é a primeira das obras modernas, pois que aí se vê a razão cruel das identidades e das diferenças desdenhar infinitamente dos signos e das similitudes: pois que aí a linguagem rompe seu velho parentesco com as coisas, para entrar nessa soberania solitária donde só reaparecerá, em seu ser absoluto, tornada literatura; pois que aí a semelhança entra numa idade que é, para ela, a da desrazão e da imaginação. Uma vez desligados a similitude e os signos, duas experiências podem se constituir e duas personagens aparecer face a face. O louco, entendido não como doente, mas como desvio constituído e mantido, como função cultural indispensável, tornou-se, na experiência ocidental, o homem das semelhanças selvagens. Essa personagem, tal como é bosquejada nos romances ou no teatro da época barroca e tal como se institucionalizou pouco a pouco até a psiquiatria do século XIX, é aquela que se alienou na analogia. É o jogador desregrado do Mesmo e do Outro. Toma as coisas pelo que não são e as pessoas umas pelas outras; ignora seus amigos, reconhece os estranhos; crê desmascarar e impõe uma máscara. Inverte todos os valores e todas as proporções, porque acredita, a cada instante, decifrar signos: para ela, os ouropeus fazem um rei. Segundo a percepção cultural que se teve do louco até o fim do século XVIII, ele só é o Diferente na medida em que não conhece a Diferença; por toda a parte vê semelhanças e sinais da semelhança; todos os signos para ele se assemelham e todas as semelhanças valem como signos. Na outra extremidade do espaço cultural, mas totalmente próximo por sua simetria, o poeta é aquele que, por sob as diferenças nomeadas e cotidianamente previstas, reencontra os parentescos subterrâneos das coisas, suas similitudes dispersadas. Sob os signos estabelecidos e apesar deles, ouve um outro discurso, mais profundo, que lembra o tempo em que as palavras cintilavam na semelhança universal das coisas: a Soberania do Mesmo, tão difícil de enunciar, apaga na sua linhagem a distinção dos signos.


Trecho do livro As Palavras e as Coisas, de Michel Foucault


quinta-feira, 28 de maio de 2015

A Papoula e o Bebê

A cor (a)trai
os olhos
vermelho provocador

no veludo
o toque
destrói pétalas

o bebê
tem a flor
na mão (e ri)

nariz de pinóquio
não descobriu
espinhos ainda.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Deus certamente deve ter escrito numa nota de rodapé

Deus certamente deve ter escrito numa nota de rodapé, nalguma página do manual de criação do mundo, qualquer coisa do tipo: aquele que nascer e em seu bojo trouxer o desejo do entendimento feminino aprenderá diversas coisas, e ainda assim morrerá frustrado.

sábado, 23 de maio de 2015

Um homem precisa se queimar em suas próprias chamas pra poder renascer das cinzas.

Friedrich Nietzsche



sexta-feira, 22 de maio de 2015

About

Essa poesia abstrata é de concreto,
cheira a asfalto e tem cor de mentira.
Se o preço da gasolina forra o piso
                                 [da felicidade,
meus rascunhos perdem sentido.
              [E isso tudo é maravilhoso.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

VERDADE



A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.


Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Dúvida

A vida fosse um cálice de vinho,
Que nós tomássemos ao bel prazer,
Beberíamos dia a dia um pouquinho,
Para nunca faltar o que sorver.

Toda rosa em si traz um espinho,
Ao que não nos é dado o escolher.
Mas sou eu quem recomenda o caminho
Que vai, no jardim, o pé percorrer.

Sendo-nos dado marcar com a morte,
Teríamos assim a melhor sorte?
Ou, enlouqueceríamos enfim?

Sai de mim, curiosidade grande,
Prefiro mesmo seguir ignorante,
Cego (surdo!), começo, meio e fim.



tela Incredulidade de São Tomé, de Caravaggio
Mesmo que façam todo dia  movimento idêntico repetidas vezes, a máquina repete, o homem insiste.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Human

I did my best to notice
When the call came down the line
Up to the platform of surrender
I was brought but i was kind
And sometimes i get nervous
When i see an open door
Close your eyes
Clear your heart

Cut the cord
Are we human?
Or are we dancer?
My sign is vital
My hands are cold
And I'm on my knees
Looking for the answer
Are we human?
Or are we dancer?

Pay my respects to grace and virtue
Send my condolences to good
Give my regards to soul and romance
They always did the best they could
And so long to devotion
You taught me everything i know
Wave goodbye
Wish me well

You got to let me go
Are we human?
Or are we dancer?
My sign is vital
My hands are cold
And I'm on my knees
Looking for the answer
Are we human?
Or are we dancer?

Will your system be alright
When you dream of home tonight?
There is no message we're receiving
Let me know is your heart still beating

Are we human?
Or are we dancer?
My sign is vital
My hands are cold
And I'm on my knees
Looking for the answer

You've got to let me know
Are we human?
Or are we dancer?
My sign is vital
My hands are cold
And I'm on my knees
Looking for the answer
Are we human
Or are we dancer?

Are we human?
Or are we dancer?

Are we human
Or are we dancer?
Eu fiz o meu melhor para perceber
quando o chamado veio
Na plataforma de entrega
Fui levado mas fui gentil
E às vezes eu fico nervoso
Quando eu vejo uma porta aberta
Feche os olhos
Limpe seu coração

Corte o cordão
Somos humanos?
Ou somos dançarinos?
Meu sinal é vital
Minhas mãos estão geladas
Eu estou de joelhos
Esperando a resposta
Somos humanos?
Ou somos dançarinos?

Apresente meu respeito para graça e virtude
Envie minhas condolências para o bem
Dê meus cumprimentos a alma e romance
Eles sempre fizeram o melhor que podiam
E adeus à devoção
Me ensinou tudo que sei
Acene adeus,
Deseje-me sorte

Você tem que me deixar ir
Somos humanos?
Ou somos dançarinos?
Meu sinal é vital
Minhas mãos estão geladas
E estou de joelhos
Procurando a resposta
Somos humanos?
Ou somos dançarinos?

Seu sistema ficará bem
Quando sonhar com o lar hoje a noite
Não há mensagem que estamos recebendo
Deixe-me saber, seu coração ainda bate?

Somos humanos?
Ou somos dançarinos?
Meu sinal é vital
Minhas mãos estão geladas
E estou de joelhos
Procurando a resposta

Você tem que me deixar saber
Somos humanos?
Ou somos dançarinos?
Meu sinal é vital
Minhas mãos estão geladas
E estou de joelhos
Procurando a resposta
Somos humanos?
Ou somos dançarinos?

Somos humanos?
Ou somos dançarinos?

Somos humanos?
Ou somos dançarinos?


 The Killers




quarta-feira, 13 de maio de 2015

segunda-feira, 11 de maio de 2015

De uma forma ávida,
Como o capitalista busca o lucro,
e o suicida sua morte,
Minhas mãos buscam as suas.

Desde o primeiro toque,
do mais antigo enlaçar dos dedos
Solitárias, elas soam absurdas,
Preto sem branco, vida sem morte,
Minhas mãos sem as suas.

Como as mãos
Se encaixam as angústias,
Se enlaçam os sentimentos,
Se buscam os seres.






tela de Matisse
A doença ensina a esperança, como a dor nos mostra sua ausência. Plenitude sempre disfarçada.

sábado, 9 de maio de 2015

O Albatroz


Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatroz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.
Mal o põe no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrasta-se a seu lado.
Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico um cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!
O Poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
As asas de gigante impedem-no de andar.
 
Charles Baudelaire
 
 

quarta-feira, 6 de maio de 2015

No início do caminho tinha uma pedra

No início do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no início do caminho
tinha uma pedra
no início do caminho tinha uma pedra.
Um Recife.  





terça-feira, 5 de maio de 2015

A QUEM INTERESSAR POSSA...

Certamente ainda não atingimos o sincero silêncio. Esse inevitável e absoluto momento em que duas pessoas se vêem frente a frente libertas das palavras, ou melhor, aprisionado pela falta delas.

Enquanto esse instante ainda causar angústia, nunca se saberá ao certo se o outro nos despreza, ou simplesmente não tem o que falar; ainda não o entendemos bem. Isso porque a convivência não foi suficiente para apreendermos essa que é uma das coisas mais individuais: o tempo de cada um.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Os crespos fios d'ouro se esparziam
Pelo colo, que a neve escurecia;
Andando, as lácteas tetas lhe tremiam,
Com quem Amor brincava, e não se via;
Da alva petrina flamas lhe saíam,
Onde o Menino as almas acendia;
Pelas lisas colunas lhe trepavam
Desejos, que como hera se enrolavam.

C'um delgado sendal as partes cobre,
De quem vergonha é natural reparo,
Porém nem tudo esconde, nem descobre,
O véu, dos roxos lírios pouco avaro;
Mas, para que o desejo acenda o dobre,
Lhe põe diante aquele objeto raro.
Já se sentem no Céu, por toda a parte,
Ciúmes em Vulcano, amor em Marte.

 Os Lusíadas, Canto II




Para tornar do desvario, duas doses de sopesar, on the rocks, sem água de coco. Copo baixo.