verso, prosa e frases soltas, gritos na noite, pulso que pulsa, meia-verdade, meia-justiça e um grilo falante

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segunda-feira, 8 de junho de 2015

O otimista e o pessimista

O pensador Carl Sagan estava exultante por conseguir que um foguete que iria ser lançado ao espaço levasse uma placa com os dizeres: "Viemos em Paz para Toda a Humanidade".  J. G. Ballard escritor pessimista inveterado,  desde que viveu de perto os horrores da segunda guerra, quando soube do feito de Sagan, comentou: "Se eu fosse marciano, começava logo a fugir".

Isso me lembra a história do menino rico que estava triste depois de ganhar uma bike bem equipada e reluzente.  Quando  perguntado a razão de estar cabisbaixo, disse que agora a bicicleta estava nova,  mas que iria envelhecer, enferrujar, pior, poderia lhe  causar um acidente.

Na casa ao lado,  um menino pobre estava radiante com o presente que recebera: uma latinha com estrume. A quem passasse pela rua ele inquiria: "Você viu por aí meu cavalo?"


quinta-feira, 4 de junho de 2015

Da virtude amesquinhadora

Passo no meio desta gente e guardo os olhos abertos: eles não me perdoam que eu não inveje suas virtudes.
Procuram morder-me, porque lhes digo: “Para gente pequena, são necessárias virtudes pequenas” — e porque custo a compreender que gente pequena seja necessária! (...)
Cortês, sou eu com elas, bem como paciente com todos os pequenos aborrecimentos: espinhar-se com o que é pequeno parece-me sabedoria de ouriço. (...)
E entre eles também aprendi isto: porta-se o louvador como se retribuísse algo, mas, na verdade, quer receber mais presentes! (...)
Passo no meio desta gente e guardo os olhos abertos: tornaram-se mais pequenos, cada vez mais pequenos: mas isso se deve à sua doutrina da felicidade e da virtude.
É que são modestos também na virtude — pois querem o bem-estar. Mas somente uma virtude modesta condiz com o bem-estar. (...)
“Eu sirvo, tu serves, ele serve” — assim reza, aqui também, a hipocresia dos dominantes — e ai, quando o primeiro senhor é somente o primeiro servidor! (...)
“Colocamos a nossa cadeira no meio”, diz-me o seu sorrizinho de contentamento, “e tão longe dos gladiadores morrentes quanto dos porcos satisfeitos.”
Isto, porém, é mediocridade — muito embora se chame moderação.


Nietzsche em Assim Falou Zaratustra

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Se os Tubarões Fossem Homens



“Se os tubarões fossem homens, perguntou ao senhor K. a filha de sua senhoria, eles seriam mais amáveis com os peixinhos?” “Certamente, disse ele. Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal quanto vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca e tomariam toda espécie de medidas sanitárias. Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, lhe fariam imediatamente um curativo, para que não morresse antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem melancólicos, haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres tem melhor sabor do que os tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas os peixinhos aprenderiam como nadar para a goela dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar. O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que este futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam voltar toda inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista, e avisar imediatamente os tubarões, se um deles mostrasse tais tendências. Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, iriam proclamar, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não podem se entender. Cada peixinho que na guerra matasse alguns outros, inimigos, que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de argaço e receberia um título de herói. Se os tubarões fossem homens, naturalmente haveria também arte entre eles. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores soberbas, e suas goelas como jardim que se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos nadando com entusiasmo para as gargantas dos tubarões, e a música seria tão bela, que seus acordes todos os peixinhos, como orquestra na frente, sonhando, embalados, nos pensamentos mais doces, se precipitariam nas gargantas dos tubarões. Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa apenas na barriga dos tubarões. Além disso se os tubarões fossem homens também acabaria a idéia de que os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores poderiam inclusive comer os maiores. Isso seria agradável para os tubarões, pois eles teriam com maior freqüência, bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores detentores de cargos, cuidariam da ordem entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, construtores de gaiolas, etc. Em suma, haveria uma civilização no mar, se os tubarões fossem homens.”

Bertold Brecht 
Antologia Poética do Autor.