verso, prosa e frases soltas, gritos na noite, pulso que pulsa, meia-verdade, meia-justiça e um grilo falante

quarta-feira, 13 de maio de 2015

segunda-feira, 11 de maio de 2015

De uma forma ávida,
Como o capitalista busca o lucro,
e o suicida sua morte,
Minhas mãos buscam as suas.

Desde o primeiro toque,
do mais antigo enlaçar dos dedos
Solitárias, elas soam absurdas,
Preto sem branco, vida sem morte,
Minhas mãos sem as suas.

Como as mãos
Se encaixam as angústias,
Se enlaçam os sentimentos,
Se buscam os seres.






tela de Matisse
A doença ensina a esperança, como a dor nos mostra sua ausência. Plenitude sempre disfarçada.

sábado, 9 de maio de 2015

O Albatroz


Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatroz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.
Mal o põe no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrasta-se a seu lado.
Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico um cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!
O Poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
As asas de gigante impedem-no de andar.
 
Charles Baudelaire
 
 

quarta-feira, 6 de maio de 2015

No início do caminho tinha uma pedra

No início do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no início do caminho
tinha uma pedra
no início do caminho tinha uma pedra.
Um Recife.  





terça-feira, 5 de maio de 2015

A QUEM INTERESSAR POSSA...

Certamente ainda não atingimos o sincero silêncio. Esse inevitável e absoluto momento em que duas pessoas se vêem frente a frente libertas das palavras, ou melhor, aprisionado pela falta delas.

Enquanto esse instante ainda causar angústia, nunca se saberá ao certo se o outro nos despreza, ou simplesmente não tem o que falar; ainda não o entendemos bem. Isso porque a convivência não foi suficiente para apreendermos essa que é uma das coisas mais individuais: o tempo de cada um.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Os crespos fios d'ouro se esparziam
Pelo colo, que a neve escurecia;
Andando, as lácteas tetas lhe tremiam,
Com quem Amor brincava, e não se via;
Da alva petrina flamas lhe saíam,
Onde o Menino as almas acendia;
Pelas lisas colunas lhe trepavam
Desejos, que como hera se enrolavam.

C'um delgado sendal as partes cobre,
De quem vergonha é natural reparo,
Porém nem tudo esconde, nem descobre,
O véu, dos roxos lírios pouco avaro;
Mas, para que o desejo acenda o dobre,
Lhe põe diante aquele objeto raro.
Já se sentem no Céu, por toda a parte,
Ciúmes em Vulcano, amor em Marte.

 Os Lusíadas, Canto II




Para tornar do desvario, duas doses de sopesar, on the rocks, sem água de coco. Copo baixo.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Da Generosidade

A Shel Silverstein
Dei-te
Minhas flores, meus frutos,
Os dias mais felizes.
Saboreaste e  partiste

Dei-te
Meus galhos, meu vigor,
O viço da juventude.
Partiste e usufruíste

Dei-te
Meu tronco, minhas ideias,
As melhores histórias.
Simplesmente me partiste

Daria
As raízes, minha vida,
Minh'alma,
Se pedisses e partisses.

Tudo, porque,
Outrora,
Um sentido
Comigo
Repartiste.



segunda-feira, 27 de abril de 2015

Se os Tubarões Fossem Homens



“Se os tubarões fossem homens, perguntou ao senhor K. a filha de sua senhoria, eles seriam mais amáveis com os peixinhos?” “Certamente, disse ele. Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal quanto vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca e tomariam toda espécie de medidas sanitárias. Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, lhe fariam imediatamente um curativo, para que não morresse antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem melancólicos, haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres tem melhor sabor do que os tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas os peixinhos aprenderiam como nadar para a goela dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar. O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que este futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam voltar toda inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista, e avisar imediatamente os tubarões, se um deles mostrasse tais tendências. Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, iriam proclamar, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não podem se entender. Cada peixinho que na guerra matasse alguns outros, inimigos, que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de argaço e receberia um título de herói. Se os tubarões fossem homens, naturalmente haveria também arte entre eles. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores soberbas, e suas goelas como jardim que se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos nadando com entusiasmo para as gargantas dos tubarões, e a música seria tão bela, que seus acordes todos os peixinhos, como orquestra na frente, sonhando, embalados, nos pensamentos mais doces, se precipitariam nas gargantas dos tubarões. Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa apenas na barriga dos tubarões. Além disso se os tubarões fossem homens também acabaria a idéia de que os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores poderiam inclusive comer os maiores. Isso seria agradável para os tubarões, pois eles teriam com maior freqüência, bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores detentores de cargos, cuidariam da ordem entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, construtores de gaiolas, etc. Em suma, haveria uma civilização no mar, se os tubarões fossem homens.”

Bertold Brecht 
Antologia Poética do Autor.



sexta-feira, 24 de abril de 2015

De menino a pai foi uma estrada que pintaram di-
versos.

O chão é enorme e o motorista tem pressa.

Consigo vai o desejo de rever o filho que foi
nos risos do filho seu e a certeza de que seu
amor é antigo como esse chão sob as rodas.



quarta-feira, 22 de abril de 2015

Círculo da Infância

Carrossel!
Escarcéu de luzes,
Risos pós lágrimas,
Quem não viver
nesta fica
pra outra rodada.

É cavalo
Cavalão
Cavalinho
Sobe e desce
Charrete
Carrinho.

Flash de pai,
Grito de vó,
Mão na mão
da mãe
do menino.

Gira o verde
A vermelha
O laranja
A amarela
O Pequeno Príncipe
A Hello Kitty.

Carrossel!
Gira no parque,
na praça.
Gira na feira,
no centro
no interior
(de mim).

Felicidade,
que há longa data
Gira
este pouco tempo.