verso, prosa e frases soltas, gritos na noite, pulso que pulsa, meia-verdade, meia-justiça e um grilo falante

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Pescoço

Assim que levanta os braços,
A prender os cabelos,
Surge ele, intacto.

Percorrendo o nariz,
O delineamento
Entre os cabelos e a orelha,
Surge ele, tangível.

Perdido,
Achado,
Sob o emaranhar dos fios,
Sobre a força das costas.
Uma leve penugem cobre
Sua pele macia.

Convidativo vale
A beijos e mordidas,
Saliva e lágrimas.


sexta-feira, 31 de julho de 2015

Epitáfio

Não me olhem e digam: 
- era tão novo e acabou assim 
                                      [é assim que tudo acaba.
Não pensem: poxa, se não tivesse feito aquilo... talvez...
- o “se” não redime a carne, 
                                      [não a salva dos vermes.
Não declamem louvores a Deus por sobre minha carcaça: 
era sua hora...
                                      [não, não era.
Acima de tudo, não afirmem categoricamente: era um menino tão bom...
                                      [nunca somos.
Pobre morte, cercada pela comédia humana
                                      [ à direita o medo, à esquerda a hipocrisia

quinta-feira, 30 de julho de 2015

O Corvo

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.


É só isto, e nada mais."
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,


Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.


É só isto, e nada mais".
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.


Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.

Isso só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.


"É o vento, e nada mais."
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,


Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."


Disse o corvo, "Nunca mais".
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,


Com o nome "Nunca mais".
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".


Disse o corvo, "Nunca mais".
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais


Era este "Nunca mais".
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,


Com aquele "Nunca mais".
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,


Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"


Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!


Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"


Disse o corvo, "Nunca mais".
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"


Disse o corvo, "Nunca mais".
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,


Libertar-se-á... nunca mais!

de Edgar Allan Poe
tradução de Fernando Pessoa

domingo, 26 de julho de 2015

Solidão na parada de ônibus

Uma rua estranha,
Um banco desconhecido.
Deserto.
O ruído seguido do vento
de um ônibus que não era o seu.
Domingo à noite.
A falta de alguém
a dizer verdades e mentiras.
Encolhido,
um cão velho e rabugento.
E uma longa sensação de iminência
Que nada vai acontecer.

sábado, 25 de julho de 2015

Baile de Máscaras




















A tristeza do Pierot
A lágrima do crocodilo
A fidelidade da Colombina
O gargalhar da hiena
A amizade do Arlequim
O amor do Carnaval
O elogio do invejoso
O lamento da carpideira
A cegueira da justiça
A humildade do vencedor
O reconhecimento do vencido
O abraço do candidato
A simpatia do vendedor
A culpa do governo
A beleza da playboy
O dinheiro da loteria
A fé do condenado
A pena do carrasco
O poder do rei
A bravata do mais forte
A cautela do mais fraco
A democracia do rico
A mais-valia do comunista
O medo do patrão
O sêmen do empregado
A droga do filho
A virgindade da filha
O celibato do padre
O abraço do estuprador
O beijo de Judas
O gozo da prostituta
A morte do indigente

Na sarjeta os ilustres e miseráveis se confundem,
No clube os burgueses quebram regras,
No salão as máscaras valsam sozinhas, já não precisam de corpo, rodopiam e enchem todo o ar de hipocrisia e luxúria.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Preguiça

Da suicida

para os alunos do CFCH–UFPE

Tua paixão me apavora,
Certeza do nada
Trocada numa vida.

Teu olhar não consola,
O vazio, fio da espada,
Rasga a dor sem saída.

Teu corpo cai na aurora,
Outrora, flutuava,
Jaz então esquecida.


quarta-feira, 22 de julho de 2015

Ah, mar! Ao mar! 

Ah, mar! Ao mar! Ao amar, há mar, amar o mar, mar o amor, ô, mar, amor é o mar e o mar é amar na linha do horizonte.

As sereias amam sua sedução, os capitães amam o ouro que reluz no sangue, os marinheiros, as prostitutas do porto, eu, o amar.

Estar no mar é amar onde não dá pé, é mergulhar e não alcançar o chão. O mar é amar na linha do horizonte. 


segunda-feira, 20 de julho de 2015

Namikaze Satellite

Quero juntar as núvens que saíram
à força e com a crista das ondas,
Eu voarei além.
Embora o caminho esteja ficando assustado e perigoso,
Eu sigo em frente no sonho que eu desenhei.
O tempo está nos apressando,
Tornando nossas decisões precipitadas,
E mesmo se estamos acordados enquanto sonhamos,
Eu sigo por aquela mesma luz.
Sob esta noite brilhantemente estrelada,
Há centenas de constelações e sombras.
E diante disso tudo o que somos,
Por que me olha tão fixamente?
Snorkel
Tema da 7ª abertura do anime Naruto. Considerando que o original é em japonês, a fidedignidade da letra fica pra próxima.

O teu olhar



Fotos no atelier de Francisco Brennand, Recife.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Linhas.



Linhas.

Linhas do corpo,

Linhas de pensamento,

Linhas que marcam,

Linhas que rasgam,

Linhas entre a vida e a morte,

Transversais que formam cruzes,

Paralelas que se encontram no infinito.