Nem só de vertigem é que se vive,
Cavalgando sem ter redia e cela.
Por fim, o chão nos colhe em hora triste.
Ou de logo sacamos o paraquedas.
Não! Estou decidido que não existe.
Tampouco a loucura nos encarcera,
Há uma sensatez no dedo em riste.
Sufoco os gritos na sala de espera.
Lei, moral, com regras e mandamentos.
Mesmo que para com eles zombar,
Repetimos, aplainando o cimento.
Nem só de poesia a desvairar,
Bela, vã, inutil, futilidade.
Pouco de prosa dá ar de verdade.
verso, prosa e frases soltas, gritos na noite, pulso que pulsa, meia-verdade, meia-justiça e um grilo falante
sexta-feira, 21 de julho de 2017
terça-feira, 27 de junho de 2017
Sério que você não tem medo?
-Escute-me, amigo, a lua está alta no céu. Você não tem medo? O desamparo que vem da natureza. Esse luar, pense bem, esse luar mais branco que o rosto de um morto, tão distante e silencioso, esse luar assistiu aos gritos dos primeiros monstros sobre a terra, velou sobre as águas apaziguadas dos dilúvios e das enchentes, iluminou séculos de noites e apagou-se em seculares madrugadas…Pense, meu amigo, esse luar será o mesmo espctro tranquilo quando não mais existirem as marcas dos netos dos seus bisnetos. Humilhe-se diante dele. Você apareceu um instante e ele é sempre. não sofre, amigo? Eu… eu por mim não suporto. Dói-me aqui, no centro do coração, ter que morrer um dia e, milhares de séculos depois, indiferenciado em húmus, sem olhos para o resto da eternidade, eu, EU, sem olhos para o resto da eternidade… e a lua indiferente e triunfante, mãos pálidas estendidas sobre novos homens, novas coisas, outros seres. E eu Morto! - respirei profundamente. - Pense, amigo. Agora mesmo ela está sobre o cemitério também. O cemitério, lá onde dormem todos os que foram e nunca mais serão. Lá onde um menor sussurro arrepia um vivo de terror e onde a tranquilidade das estrelas amordaça nossos gritos e estarrece nossos olhos. lá onde não se tem lágrimas nem pensamentos que exprimam a profunda miséria de acabar.
Clarice Lispector. "Mais dois bêbados".
Clarice Lispector. "Mais dois bêbados".
sábado, 17 de junho de 2017
quarta-feira, 14 de junho de 2017
O URUBU MOBILIZADO
Durante as sêcas do Sertão, o urubu
de urubu livre, passa a funcionário.
O urubu não retira, pois prevendo cedo
que lhe mobilizarão a técnica e o tacto,
cala os serviços prestados e diplomas,
que o enquadrariam num melhor salário,
e vai acolitar os empreiteiros da seca,
veterano, mas ainda com zelos de novato:
aviando com eutanásia o morto incerto,
êle, que no civil que o morto claro.
2.
Embora mobilizado, nesse urubu em ação
reponta logo o perfeito profissional.
No ar compenetrado, curvo e conselheiro,
no todo de guarda-chuva, na unção clerical,
Com que age, embora em pôsto subalterno:
êle, um convicto profissional liberal.
João Cabral de Melo Neto
de urubu livre, passa a funcionário.
O urubu não retira, pois prevendo cedo
que lhe mobilizarão a técnica e o tacto,
cala os serviços prestados e diplomas,
que o enquadrariam num melhor salário,
e vai acolitar os empreiteiros da seca,
veterano, mas ainda com zelos de novato:
aviando com eutanásia o morto incerto,
êle, que no civil que o morto claro.
2.
Embora mobilizado, nesse urubu em ação
reponta logo o perfeito profissional.
No ar compenetrado, curvo e conselheiro,
no todo de guarda-chuva, na unção clerical,
Com que age, embora em pôsto subalterno:
êle, um convicto profissional liberal.
João Cabral de Melo Neto
segunda-feira, 24 de abril de 2017
Beslan, Rússia
Entendo os vampiros —
Sua sede de sangue.
O homem furtou-lhe
A imagem do espelho,
Unindo a saudade
Do deus e da Besta.
Os buracos desta
Calçada suja
Conheço de cor
Dó, cor, dor mor — tal
O que é um corpo
Dentre outros trezentos?
Dos canibais, o hálito
Perfuma o planeta,
E minha TV
Sufoca uma mãe
Que chora por isso.
Sua sede de sangue.
O homem furtou-lhe
A imagem do espelho,
Unindo a saudade
Do deus e da Besta.
Os buracos desta
Calçada suja
Conheço de cor
Dó, cor, dor mor — tal
O que é um corpo
Dentre outros trezentos?
Dos canibais, o hálito
Perfuma o planeta,
E minha TV
Sufoca uma mãe
Que chora por isso.
segunda-feira, 10 de abril de 2017
Na Superfície
Aprendia a nadar nos meus braços,
em água salgada.
O corpo era pequeno, leve,
O rosto de menino.
Cabelos pretos, livres, pele amorenada.
Não sabia que lembrava com tanta nitidez.
Mesmo em sonho me assustou
Reconhecê-lo naquela idade.
O sorriso maroto.
Confiava em mim como fosse
Impossível o mundo fazê-lo afundar.
Eu o protegia enquanto adulto,
Mas não me sentia assim.
Estava frágil.
Ele ria como sempre riu de tudo.
Um suspiro depois:
Eu quem boiava agora,
Nos braços de meu primo.
Um pouco mais velho que
Quando, pela última vez,
Rezei-lhe entre flores.
No cabelo, então, algum grisalho.
A água, morna e calma.
Cobria boa parte de mim,
Batendo às vezes no ouvido.
Infiltrou a minha essência,
Preencheu um pouco do meu vazio,
da saudade.
Ria como sempre riu de tudo.
Só que mais seriamente.
Não que estivesse triste.
Queria me dizer algo
Ou eu queria que ele me dissesse.
Simples estar ali era um prazer
E um privilégio.
Não caberia pedir mais.
Mesmo em sonho.
Mantinha algo escondido.
Seria o às da canastra
ou uma história inconfessável?
Impossível o mundo fazê-lo afundar.
Afogar-nos-íamos todos em dor
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017
sábado, 21 de janeiro de 2017
sexta-feira, 30 de dezembro de 2016
Mulher que lê
Que lê a mulher?
Uma carta, livro, um manifesto?
O que faz?
Ri sarcástica, sente muito, delira?
O que pensa a mulher?
Na saudade, na vida, na supressão,
Na virtude?
O que esconde?
Veneno, uma bomba, o brilho do olhar,
Uma poesia?
O que quer a mulher?
Gozo, recato ou, perigosamente,
Não sabe se quer?
Que lhe move?
Uma filosofia, romance, o homem,
A liberdade, a fofoca?
O que é, afinal, esta mulher que lê?
Santa, mãe, esposa, prostituta, amante,
Feminista, secretária, irmã?
Dê-me um rótulo para encerrar esta
Ameaça!
Uma carta, livro, um manifesto?
O que faz?
Ri sarcástica, sente muito, delira?
O que pensa a mulher?
Na saudade, na vida, na supressão,
Na virtude?
O que esconde?
Veneno, uma bomba, o brilho do olhar,
Uma poesia?
O que quer a mulher?
Gozo, recato ou, perigosamente,
Não sabe se quer?
Que lhe move?
Uma filosofia, romance, o homem,
A liberdade, a fofoca?
O que é, afinal, esta mulher que lê?
Santa, mãe, esposa, prostituta, amante,
Feminista, secretária, irmã?
Dê-me um rótulo para encerrar esta
Ameaça!
segunda-feira, 26 de dezembro de 2016
Almenara
“Almenara
– os dicionários e enciclopédias explicam – era um fogo, uma luz que se acendia
nas atalaiais ou torres de antigas cidades. Para dar sinais, avisar o povo
sobre o movimento de tropas inimigas ou da chegada de piratas e assaltantes,
servindo, ainda, para enviar mensagens, quando transportada de uma área para
outra. Anunciava também a deposição do rei. Permanentemente acesa, guiava os
caminheiros da noite. É um farol de terra, um nome antigo de candeeiro, a
defesa luminosa de um burgo em tempo de perigo.”
Mario da Silva Brito, na orelha de Almenara (Lucila Nogueira; 1979)
AOS OLHOS REPRESADOS PELO TANQUE
Como
aves da mata, sim: selvagem.
Como
a vida suspensa sob a lança.
Como
os raios, a chuva e como o vento
batendo
contra os álamos na sombra.
Contra
os muros e grades, sim: selvagem.
Contra
os falsos brasões da tolerância.
Selvagem
como o eterno movimento
do
mar em seu assomo de esperança.
Selvagem.
Solidão que irradia
no
desprezo das cômodas estâncias.
Selvagem.
Como humano cata-vento
movido
em primitivas reentrâncias.
Selvagem.
Como a intérmina coragem
numa
luta impossível como gigantes.
Selvagem
como o amor solto no ventre
como
o fuso que fere mas descansa.
Sim:
selvagem. Por isso tão liberta
tendo
auroras e guizos nas entranhas.
Sim:
selvagem. Por isso tão estranha
aos
olhos represados pelo tanque.
Lucila
Nogueira, Almenara, 1979
Nascida
no Rio de Janeiro em 30/03/1950, filha de pai português e mãe pernambucana.
Falecida em 25/12/2016. Uma poetisa consagrada sem raízes, no exílio de si.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2016
segunda-feira, 19 de dezembro de 2016
quarta-feira, 14 de dezembro de 2016
20 anos
se não me mata, fortalece.
mesmo que cale,
renascerei na terceira flor da primavera.
ademais, nada difere
depois vazio do vazio dantes.
inclusive agora,
sou uma entre as infinitas probabilidades
de não estar.
então, se for para ser, que seja.
amém.
terça-feira, 13 de dezembro de 2016
O poder
O poder.
Nova palavra nascida ali para o seu novo vocabulário. mas esta não nascera de uma reflexão, fora vomitada pelo corpo, assim como se esvaía em merda e urina, para matar as necessidades mais próximas.
o poder. aqueles vermes tinham poder sobre os outros - algo estranho acontecera para que alguns deles, fardados como uma unidade de guerra, dominassem os outros, esfarrapados como um bando de mendigos.
o poder era aquilo - uma voz mais poderosa e que tinha meios mais poderosos para o domínio. o poder e o domínio - o confinamento de uma parcela de homens, o poder nas mãos de uma parcela de vermes.
Nova palavra nascida ali para o seu novo vocabulário. mas esta não nascera de uma reflexão, fora vomitada pelo corpo, assim como se esvaía em merda e urina, para matar as necessidades mais próximas.
o poder. aqueles vermes tinham poder sobre os outros - algo estranho acontecera para que alguns deles, fardados como uma unidade de guerra, dominassem os outros, esfarrapados como um bando de mendigos.
o poder era aquilo - uma voz mais poderosa e que tinha meios mais poderosos para o domínio. o poder e o domínio - o confinamento de uma parcela de homens, o poder nas mãos de uma parcela de vermes.
Assis Brasil, Os que bebem como cães. 1975.
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